sábado, 14 de junho de 2025

Que Tempo! Que vida!








Que tempo! Que vida!

Faz tempo.
Muito tempo.
Acho que uma existência inteira… desde que a conheci.

Era menina.
Era bonita.
Andar seguro, olhos tristes, nariz adunco, cabelos longos e lisos.
Falava pouco.
Fumava muito.
Riso raro — mas doce.

Apesar da inquietude que exalava, era confortável estar perto.
O perfume era Zadig, de Pucci.
Só ela usava. Ninguém mais.
Diziam até que foi a inspiração...
Será?

Faz tempo.
Muito tempo.

Morava em São Paulo.
Às vezes, pegava a ponte aérea para o Rio só para comer raclette com batatas e picles num bistrô com vista para a Lagoa Rodrigo de Freitas.
Depois do jantar, pegava o último voo de volta a Sampa.

A encontrei inúmeras vezes comendo soufflé no Marcel’s
acho que era ali perto da Consolação…
Vinho e soufflé. Soufflé e vinho.

Estranha menina, em seus últimos anos de teenager,
carregando uma história de trágico amor,
enredo de ópera, coisa de Verdi.

O tempo passou.
E a menina cresceu.

Carregava seu destino feito à mão, com orgulho.
Arrebatava experiências únicas de vida.
Contavam histórias sobre ela —
histórias que mais pareciam lendas...

Passei muitos anos sem vê-la.
Acho que até me esqueci.
Ou quase...

Outro dia, ao entrar num ônibus, numa pequena cidade de Israel,
me sentei ao lado de uma mulher já entrada em anos —
cabelos grisalhos, gordinha e sorridente.
Uma mulher comum, com um perfume de jasmim...

Algo familiar.
Senti algo familiar —
mas não identifiquei de imediato.

Depois de alguns minutos, começamos a conversar.
E então ela me olhou nos olhos...

Era ela.
A menina perdida lá na frente da história.

Falante.
Ria mais.
Os olhos grandes diminuíram,
mas guardavam o brilho das descobertas, dos riscos, do pisar no chão.

Ao sair do ônibus, notei que o andar já não tinha aquela segurança toda...
Mas toda ela emanava felicidade.
Liberdade.
Calma.

Não mais a ansiedade de outrora.
Ela encontrou o que buscava.
A paz chegou com a idade?
Não sei.
Não perguntei.
Não me identifiquei.
Não quis saber detalhes.

Senti vontade de guardar para mim a lenda
um conto para um dia de chuva com meus netos.

Uma mulher comum.
Feliz. E comum.

E.C.


terça-feira, 3 de junho de 2025

No entardecer...

 Chez Mucha 

Terca-3/6/2025



-------------------------------------------------------------------

E no entardecer...

É no entardecer que ele começa, lentamente, a subir os degraus.
Sempre no mesmo passo.
A mesma cadência monótona...

Invade minha mente sem pedir permissão,
inunda o espaço com Eau Sauvage
e assim, me toma de assalto.

Não reajo.
Me submeto.
Inebriada pelo perfume que faz parte de uma existência inteira.

Nas mãos, ele traz flores.
Flores que devoramos após o amor.
Flores coloridas, preciosas, delicadas — todas elas.

Rimos muito.
Evocamos cenas de uma época de sonho,
quando éramos reais e invencíveis,
quando éramos jovens e poderosos.

Por fim, a noite cai.
As velas se apagam.
O silêncio se faz ouvir.

Nada se move.
A brisa do mar de Búzios sussurra
e brinca com meus cabelos soltos.

Poeira no sótão.
Muita.
Muita poeira.

Amanhã.
Espero pelo entardecer de amanhã.

E.C.