Que tempo! Que vida!
Faz tempo.
Muito tempo.
Acho que uma existência inteira… desde que a conheci.
Era menina.
Era bonita.
Andar seguro, olhos tristes, nariz adunco, cabelos longos e lisos.
Falava pouco.
Fumava muito.
Riso raro — mas doce.
Apesar da inquietude que exalava, era confortável estar perto.
O perfume era Zadig, de Pucci.
Só ela usava. Ninguém mais.
Diziam até que foi a inspiração...
Será?
Faz tempo.
Muito tempo.
Morava em São Paulo.
Às vezes, pegava a ponte aérea para o Rio só para comer raclette com batatas e picles num bistrô com vista para a Lagoa Rodrigo de Freitas.
Depois do jantar, pegava o último voo de volta a Sampa.
A encontrei inúmeras vezes comendo soufflé no Marcel’s —
acho que era ali perto da Consolação…
Vinho e soufflé. Soufflé e vinho.
Estranha menina, em seus últimos anos de teenager,
carregando uma história de trágico amor,
enredo de ópera, coisa de Verdi.
O tempo passou.
E a menina cresceu.
Carregava seu destino feito à mão, com orgulho.
Arrebatava experiências únicas de vida.
Contavam histórias sobre ela —
histórias que mais pareciam lendas...
Passei muitos anos sem vê-la.
Acho que até me esqueci.
Ou quase...
Outro dia, ao entrar num ônibus, numa pequena cidade de Israel,
me sentei ao lado de uma mulher já entrada em anos —
cabelos grisalhos, gordinha e sorridente.
Uma mulher comum, com um perfume de jasmim...
Algo familiar.
Senti algo familiar —
mas não identifiquei de imediato.
Depois de alguns minutos, começamos a conversar.
E então ela me olhou nos olhos...
Era ela.
A menina perdida lá na frente da história.
Falante.
Ria mais.
Os olhos grandes diminuíram,
mas guardavam o brilho das descobertas, dos riscos, do pisar no chão.
Ao sair do ônibus, notei que o andar já não tinha aquela segurança toda...
Mas toda ela emanava felicidade.
Liberdade.
Calma.
Não mais a ansiedade de outrora.
Ela encontrou o que buscava.
A paz chegou com a idade?
Não sei.
Não perguntei.
Não me identifiquei.
Não quis saber detalhes.
Senti vontade de guardar para mim a lenda —
um conto para um dia de chuva com meus netos.
Uma mulher comum.
Feliz. E comum.
E.C.
Nenhum comentário:
Postar um comentário