Black
Esther Crouch (Mucha)
O gato preto se alimenta só de borboletas na primavera e no verão...
Quando chega o outono, ele se vê comendo mariposas — e acho que não gosta muito.
Afinal, ele, o Black (o gato preto), é por excelência um ser dotado de senso estético.
As borboletas são tão lindas! Coloridas, com asas que batem sensualmente...
Ele as abocanha quando estão cheias de sol e de brilho.
Fica com a barriguinha fosforescente — iluminada mesmo!
Isso tudo acontece no verão, compreende?
Sim, no verão e na primavera, esse “pirata” de olhos verdes,
depois de encher a pancinha de luz, se derrete preguiçosamente ao sol no deck.
De boca aberta, dentinhos como pérolas de arroz,
língua pendente no canto da boca…
Mais pareceria um bêbado — se não fosse tão lindo!
De vez em quando acorda,
espreguiça-se langorosamente,
esticando todo seu corpinho delgado — uma pata depois da outra…
Alguns passos elegantes até o pote de água fresca
(que a “mulherbrasileiraquefalagozado” trata de manter sempre em dia)
e bebe delicadamente.
Ele — o gato preto — não sabe que fica mais feioso no verão.
Tratamos de fazer com que ele não perceba sua fealdade.
O pelo cai,
suas inúmeras cicatrizes
(tantas e tantas noites namorando pelo bosque...)
ficam à mostra.
É engraçado esse Black!
Anda com a majestade que nosso amor lhe confere,
mesmo quando mais parece um morcego velho!
Tratamos para que ele jamais perceba que no verão
só mesmo sua barriguinha brilha.
Acho que ele não suportaria o impacto dessa imagem!
Já quando vem o outono,
junto com a mudança das cores nas árvores
— do verde forte aos muitos tons avermelhados e dourados —
o gato preto, meu querido Black,
começa a receber, direto de D’s,
sua manta de vison especial.
Dia após dia vai se transformando,
e dia após dia fica mais lindo.
Mas... o preço de toda essa beleza?
Ter que comer mariposas!
Feias e nervosas — talvez por isso tão feias.
Primas pobres das borboletas...
Ele as faz sofrer antes de engoli-las.
Usa de extremo sadismo com essas feiosas.
As coitadas estrebucham, batendo em vão as asas,
e ele pacientemente as mira.
Acho que tudo isso é um ritual pra ele.
Estranho ritual!
No fim, ele não se satisfaz com a tal da mariposa.
Acaba comendo ração para gato —
o que me parece uma indignidade tratando-se do Black.
Mas indignidade mesmo é ir dormir com o estômago vazio…
Ele come a ração!
“Papai” já providenciou o aquecimento para a casinha.
"Home Sweet Home” é fato!
Quentinha e segura.
O bichano só coloca o delicado narizinho pra fora.
Os olhos semiabertos não demonstram muita curiosidade.
Ele parece pensar:
“Quero mais é que o mundo se acabe em barranco…
está tão quentinho aqui...”
O inverno chegou.
E o Black está lindo.
Seu casaco de mink está precioso este ano.
Ele anda a passos de quem sabe disso.
Pela manhã, quando abro a porta e dou meu
"Bom dia, gato ordinário!”,
ele parece apreciar a saudação.
Dá dois miados,
põe a pequena e linda cara na porta de sua mansão
e, com os olhos verdes entreabertos,
me olha de esguelha.
Vem como quem não quer nada...
Devagar.
Devagar quase parando.
Quando chega bem pertinho de mim,
escancara os olhos de um verde muito, muito verde
e mia fininho:
"Stupid Brazilian woman, give me NOW my milk!
And don’t heat it too much, you hear??!"
Obediente, vou esquentar o leitinho do bichano.
Mimado gato preto!
Adquiriu um novo hábito…
Não sei onde foi buscar tanta esperteza!
Quando não está muito frio,
vai lá pra baixo, senta debaixo da árvore,
fica quieto, mal respira.
Não se move.
É como se não estivesse lá…
ou… quem sabe… estivesse morto!
Mortinho.
Não!
Ele espera que a passarinhada venha comer.
Quem sabe um incauto venha num voo rasante e…
ZASSSSSSS!
O Black pega no ar o coitado do passarinho!
E aí você me pergunta:
“É pra comer??”
Sim — mas só depois de mostrar pra “Mamãe”.
Ele come só um pedacinho (você sabe como é... a gula!)
e põe o coitado do defuntinho alado, mutilado,
no tapetinho do lado de fora da porta do deque.
A “estúpida mulher brasileira”, que vem a ser a “Mamãe”, sou eu!
Abro a porta, elogio o pequeno assassino de olhos de jade,
faço festa, canto música e digo que ele é verdadeiramente um herói!
Ele então pega o passarinho (mutiladinho, coitado…)
e vai comer longe.
Esperamos a neve.
Mas só nevou três dias aqui em Tecumseh.
Todo Oklahoma espera pelo frio.
O Black parece pensar que a neve não vai chegar...
Anda lá pelo jardim, corre pelo bosque,
olha minhas tulipas que começam a despontar da terra.
Será a primavera que chega???
Achamos que sim.
Afinal, o gato preto — o meu Black — sabe das coisas!
Afinal, chegou a primavera.
Essa é a estação que encanta aqui…
As tulipas despontaram,
amarelas e negras — belíssimas!
Black ronda pelo bosque,
espicha o corpinho,
espreguiça,
tira sonecas.
Parece que há algo no ar...
Será uma nova gatinha no pedaço?
Sei lá.
O gato preto parece ensimesmado...
Uma noite de tempestade...
Trovões e raios.
Vento uivando.
Madrugada.
Escuto um miado bravo — bravo mesmo.
Mas curto e rouco.
O dia seguinte chega novo:
céu bem azul, poucas nuvens.
Não vejo o Black.
Coloco o leitinho dele (na temperatura que ele aprecia) perto da porta.
Nada do Black.
Bob diz para eu não me preocupar.
Afinal, Black é um gato.
E mais: um gato pirata!
Deve sim ter encontrado uma nova namoradinha por aí…
As horas se multiplicam.
Os dias passam.
Nada do meu Black.
Procuro por ele.
Chamo.
Falo doce.
Grito brava.
Mas… nada!
O Black desapareceu.
Como tantos personagens.
Como tantos heróis…
Simplesmente desapareceu.
Sem deixar rastros.
Nunca encontramos seu corpinho
para dar um lugar oficial de descanso.
Sumiu.
Não se sabe o que aconteceu com o temperamental Black,
meu gato pirata.
Ele se foi assim como viveu:
cheio de surpresas,
deixando um ponto de interrogação na sua ausência.
Te amo, Black.
E.C.