Mudanças
Esther Crouch (Mucha)
Perto de completar 68 anos de idade,
começam a me visitar pensamentos nunca pensados…
Antes de tudo, preciso fazer uma confissão:
só comecei a sentir as marcas do tempo em meu rosto
e em meu corpo aos 60 anos.
Até aí, as mudanças não eram radicais
e eu sempre as utilizei em meu favor:
charme, caminho de vida, percalços.
História.
Marcas de uma vida vivida,
cheia de amor, tragédias, grandes alegrias,
decepções, aventuras incríveis,
derrotas amargas e batalhas vencidas.
Encontros e desencontros.
A partir dos 60, iniciei quase sem perceber uma nova etapa.
Agora, aos 68, percebo mudanças físicas
que vêm sendo acompanhadas por mudanças no meu interior.
Interessante.
Começo a ver as coisas sob um prisma diferente —
algumas nuances mais pálidas,
menos “cor total” como era antigamente…
As cores ficam, para mim, mais esmaecidas.
Me vejo, ao deitar a cabeça no travesseiro,
fazendo balanços do passado e do presente.
Sonhos em cores pastel.
Imagens de cenas vividas vêm como um filme,
um clipe.
Por vezes me pego sorrindo.
Outras, chorando.
E já não mais me surpreendo,
como acontecia no começo dessa nova etapa.
Aceitação é a palavra.
Acho…
Em vários graus.
Vários tons.
Essa é, sem dúvida, o começo de uma etapa maravilhosa —
onde expando minha consciência,
reavalio meus valores,
presto contas a mim mesma.
Engraçado como comecei a ser mais ordeira.
Coisas simples, como uma gaveta
atulhada de preciosidades e bobagens, tudo misturado…
Agora preciso de ordem.
Faço triagem.
O importante fica — e arrumo.
Cada coisa tem um lugar.
Um lugar para cada coisa.
As bobagens sem valor…
consigo jogar fora sem remorso.
Muito interessante esse critério.
Rolhas de champagne de 40 anos atrás, datadas.
Cartas de um primeiro grande amor.
Fotos — e mais fotos — de momentos.
Insubstituíveis tesouros.
Guardo coisas que fariam o incauto rir…
Jogo fora, ou dou, coisas que para muitos seriam importantes.
O rosto muda.
Meus olhos não são mais tão grandes.
Meus cabelos são grisalhos.
Minha boca está diferente.
O rosto muda.
Quero mais é ficar em casa.
Ler. Escrever.
Já não tenho mais alegria em shopping.
Não acho divertido.
Não preciso de nada.
Tenho tudo.
Coisas materiais, tenho-as todas.
Outras coisas me fazem falta —
e por escolhas (certas ou erradas), tenho… ou não.
Poucas pessoas me fazem falta.
Vergonha de dizer… muito poucas.
Comecei a colocar (ou tentar colocar) certa ordem no meu computador.
Exaspera-me perder um tempo enorme
procurando uma foto ou um escrito.
Receitas de pratos que faço sempre — e não preciso de receita…
misturadas com receitas que jamais farei
e sei que jamais farei.
Assim passo os dias,
pondo ordem em minha vidinha desorganizada.
Recolhendo objetos que apressadamente deixo estar em algum lugar.
Mudando de lugar coisas guardadas,
que com a triagem ganham mais espaço.
Assim são minhas noites.
Rezo antes de dormir,
e ao rezar, peço que HaShem olhe por minha alma enquanto durmo.
Acredito que, ao dormir, a alma viaja.
E sempre peço:
que me leve por mais entendimento,
que eu possa aprender mais,
que eu possa acordar (se tiver que acordar)
como uma pedra mais polida, mais brilhante.
É engraçado como a gente pode mudar…
Hoje, ao tomar o café da manhã com meu marido,
vi pela persiana uma senhora e um menino —
cada um com um cão —
se encontrarem em frente à minha casa.
Quando dei por mim,
estava lá fora, conversando com os dois estranhos
e acariciando os cães…
Até aí, nada de tão surpreendente —
afinal, sempre fui outgoing.
Mas eu estava de pijama e chinelo.
Sem maquiagem.
Com o cabelo preso num rabo de cavalo.
Ao me dar conta…
não me senti embaraçada.
Nem envergonhada.
Achei maravilhoso poder ter tido esse momento
e acariciar os dois bichinhos.
Algo me diz que
minha imagem interior está ficando mais importante.
Eu, que vaidosa fui toda a vida,
mas que sempre resenti
que as pessoas dessem mais importância ao meu rosto,
à minha aparência,
do que à minha cabeça,
meu espírito.
Mudanças.
E.C.
Muito lindo querida amiga irmã... demos muitas diferenças mas também muitas igualdades.... seu textobtraduz bem nossa trajetória e verdadeiras importâncias....
ResponderExcluirObrigada pela visitinha Rosa-Irma. Muito bom ter vc comigo.
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