domingo, 12 de fevereiro de 2017

A Visita.







Uma Visita Esperada

Que ela chegue sem fazer alarde.
Que pise macio, chegue mansamente.
Nem precisa se fazer anunciar.

Que venha como uma velha amiga,
com um rosto conhecido — se possível, bonito (senão, que ao menos seja um rosto de classe).

Que sua presença encha a casa com um bom perfume —
algo como Gio, de Armani (seria pedir demais?)
E que sua voz seja música aos meus ouvidos.

Eu pedi sem alarde...

Que ela chegue elegante.
Não contente — mas não precisa ser triste.
Pode trazer alguma ternura nos gestos,
e que esses gestos reflitam suaves e doces intenções...

E elegante, por favor.

Que possamos sentar e tomar um cafezinho muito gostoso,
bem servido em xícaras de porcelana fina,
com colherzinhas de prata de lei.

E então que ela converse comigo.
Me faça lembrar coisas boas —
como o colo protetor do meu Pai,
os sorrisos dos meus filhos amados,
o perfume do meu grande amor (Eau Sauvage),
o olhar do meu amigo querido —
presente em toda a minha trajetória.

Meu judaísmo,
que sempre me deu tanto orgulho.
Os amigos verdadeiros —
poucos, sim,
mas tão valiosos.

Que seus olhos espelhem a Esther mocinha,
cheia de vida,
tanta garra,
olhos grandes,
nariz adunco —
uma coruja asteca.
Muito maluca.

Que ela me faça sentir todo amor que dei —
e todo amor que recebi.
(E não foi pouco, não!)

Essas são as minhas joias.

Que, pela última vez, eu possa ver meu rosto no espelho
e bendizer cada ruga,
cada lágrima chorada,
cada sorriso —
marcas de uma vida muito vivida.
Vida cheia. Vida plena.

Que ela venha de mansinho e me tome pela mão,
do jeito que sempre desejei que minha mãe o fizesse.

Que me fale de coisas lindas —
planícies verdes,
bichos.
Muitos bichos.
Cães, gatos, cavalos, burrinhos, elefantes,
pássaros, baleias, pinguins, leões, tigres,
e quantidades de macacos.

Que eu possa segui-la levando meu Freud,
companheiro eterno,
amigo fiel,
fiel escudeiro,
inteligente pessoinha.

Que os olhos do Freud estejam bem tranquilos,
por sentir que a "Mamãe" não o abandona jamais.

Que eu possa deixar minha casa sem sentir a dor dos animais.
Isso é muito importante.

Que eu possa ir sabendo que nada ficou por fazer.
E que, se por ventura algo restar inacabado,
que não prejudique nem cause dor a ninguém.

Que ela não me traga dor.
Que me permita segui-la voluntariamente,
como se fôssemos almoçar juntas —
e depois assistir a um ballet,
ou dar uma passadinha numa vernissage de um bom artista novo.

Que ela me sele os olhos com duas moedas de ouro,
abrindo então a eternidade de sonho...

Que ela me leve completa.
Sem lágrimas,
sem lamentos,
sem gritos.

Que, ao partirmos, eu me sinta
livre, leve e solta
e muito junto ao meu D’s.

Que a alegria de não precisar mais de documentos,
passaportes, ID, carteira de motorista...
esteja presente.

Ah!!!
Que maravilha!

Que ela chegue sem fazer alarde.

E, por favor...
que não se faça esperar demais.

“Mucha” (Esther Crouch)

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