quarta-feira, 26 de abril de 2017

Donzela Sonic





A Donzela “Sonic”, Tão Baratinha…
(escrito para uma mocinha de OK, 2005)
Esther Crouch

Lili, todos os dias, se levanta de mau humor.

Aos 19 anos, pensa que o mundo é o seu umbigo…
Daí, todo santo dia amanhece de “rabo virado”
porque tem que acordar cedo,
tem que iniciar a vida de alguma maneira…

Medíocre vida pra alguém de medíocre visão.

Pobre Lili!

Toma banho correndo,
veste suas roupinhas baratas e de mau gosto.
Penteia o cabelo tingido de
“cor-de-rato-do-mato” —
cabelo sujo, oleoso…

Põe a “havaiana” no pé e sai pra vida.

Entra em sua “carruagem de fogo”
(com os dois dadinhos de veludo, já desbotados do sol),
dá partida e liga o rádio.

Assim, pega a estrada “cor-de-rosa”
que vai do nada pra lugar nenhum.

Ao som de rap,
ela vai ventando sua parca imaginação,
balançando a cabecinha presa
a um pescoço sem graça.

Para a carruagem num posto Sonic,
olha alguns minutos para a placa do menu brega,
bem colorido —
que ela já conhece de cor.

Com um olhar inteligente (cof cof),
finalmente aperta o botão.

Quando a funcionária atende,
Lili pede exatamente o que sempre pede:

hambúrguer de plástico,
com limonada artificial,
tudo muito colorido,
tudo muito plástico.

Coitadinha da Lili…

Já foi loira, morena, ruiva.
Nunca foi muito brilhante.

Lili costuma ir trabalhar
de botas até o joelho
no verão de rachar melancia em Oklahoma.

Já no inverno… bem…
no inverno ela gosta mesmo das havaianas!
Jejejejeej!

E lá vai ela, com suas pernocas brancas, desbotadas,
parecendo palmitos…

E chora.

Ai como ela chora!

Chora por tudo e por nada.

Um olhar faz desabar
esse mundinho precário
dessa “donzela” medíocre.

E.C.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Meu Tuiuiu


Meu Tuiuiú

Esther Crouch (Mucha), 2005

Ah… quando eu era menina, queria muito ter um passarinho.
Um pássaro. Um bichinho.

Conforme fui crescendo, fui ficando mais ambiciosa:
queria mesmo um belo pássaro — grande, se possível fosse.

Um dia, ganhei uma ave que, ao nascer, era bem sem atrativos.
Como toda ave ao nascer.

Cuidei dela, alimentei, limpei, brinquei, ensinei coisas.
Para mim, ela era a mais linda desse mundo —
afinal, era a minha ave.

Folheando livros de pássaros, um dia encontrei uma fotografia
de um quase adolescente…
E descobri que era um Tuiuiú —
igualzinho ao que HaShem tinha me dado pra criar.

Bem! Agora meu bichinho de asas já tinha um nome:
Tuiuiú.

Fui lendo, aprendendo mais sobre ele.
Fiquei toda orgulhosa ao descobrir que essa ave
é a ave-símbolo do Pantanal.

Cuidei, lavei, ensinei a rezar o Shema Israel
antes mesmo de ele aprender a dizer “mamãe”.

Ensinei.
Dei dicas de como pescar pra comer,
de como voar solo,
de como construir a vida com amizades verdadeiras.

Corri muito com ele (pois conto a vocês que meu Tuiuiú era macho).
Matriculei na melhor escola.
Fui buscar. Fui levar.

E mais aulas disso e daquilo.
Comidinha boa, pronta na hora.
As penas sempre limpinhas, brilhantes.

Brinquei com ele,
trouxe amiguinhos para brincar —
e ele foi crescendo.

Ele encheu minha vida de alegria
e meus dias de um sol brilhante e quentinho.

Ah… eu tinha o mais lindo e maravilhoso Tuiuiú.
HaShem foi bom pra mim.
Generoso mesmo.

Um dia, de adolescente, ele passou a Tuiuiú adulto.
Ele já sabia — e podia — sobreviver sem mim:
pescar, voar alto, empoleirar-se no topo das árvores.

Vi o bichinho de asas tornar-se um belo e magnífico pássaro.
Meu Tuiuiú cresceu.

Um dia ele me chamou pra contar
que havia encontrado uma parceira especial para a vida.
Alguém com quem ele iria voar pra longe,
pescar, e ter seus “tuiuiuzinhos”.

Foi assim que entendi:
HaShem nos empresta
por um determinado tempo.

HaShem nos dá a honra de ser responsável:
de cuidar, alimentar,
ensinar a pescar
e a rezar…

Não foi sem lágrimas que compreendi
que o meu Tuiuiú nunca foi “meu”, de fato.

Mas, de fato,
eu o preparei para esse tempo,
para esse voo,
para essa grande aventura.

A maior prova de amor
é ensinar o gosto por essa grande aventura que é a vida.
A maior prova de amor
é deixar que o pássaro voe —
deixando as portas e janelas abertas,
para que possa ir em segurança.

Não retive meu Tuiuiú.
Não tentei segurá-lo quando chegou a hora.

Dei um beijo grande,
apertei-o uma vez mais de encontro ao meu peito,
e abri os braços —
para que ele voasse.

Alto.
Bem alto.

Até que meus olhos,
já não tão bons e jovens,
o perdessem de vista,
lá nas árvores, pelos arredores do céu.

Às vezes olho para esse céu
e tenho saudades do tempo
em que ele era pequeno e frágil,
e dependia de mim para protegê-lo.

Tenho saudade do meu Tuiuiú.

Mas agradeço por ter tido esse tempo com ele.

Tenho saudade…
mas também muito orgulho
do meu Tuiuiú.

E.C.



Freud Ray Rainbow Bridge






Freud Ray
16 de Maio de 2008 — 16 de Maio de 2015

Sete anos desde que você atravessou a Rainbow Bridge.

Penso em nossos dias juntos…
Nossas brincadeiras,
sua forte personalidade,
seu senso de humor — tão sarcástico!

Você foi meu grande companheiro,
amigo de todas as horas.

Nas piores fases da minha vida,
em momentos de extrema solidão e carência,
quando a depressão bateu forte em minha alma…

Você estava lá.

Meu valente escudeiro.
Meu herói mascarado.
Freud!

Você me fazia sentir necessária.
Amada.
Importante.

Lembro-me da expressão dos seus olhos
fixos no meu rosto,
me intimando a levantar,
a colocar uma roupa,
a pentear os cabelos
para ir andar com você na rua.

Fizemos muitos amiguinhos na nossa rua,
no nosso bairro.

Todos conheciam você pelo nome.
Vinham falar conosco, brincar, rir.

Foram momentos preciosos pra mim —
hoje, lembranças doces
que revivo muitas vezes em meu coração e em minha mente.

Depois, D’s enviou um amor pra mim.
E um papai pra você.

Fomos viver no campo,
na casa em cima da colina,
com um bosque só pra nós —
onde andávamos muitas vezes ao dia.

Pude ver como você se adaptou fácil
a uma vida mais natural,
longe do trânsito,
do barulho,
da fumaça.

Você viveu mais sete anos felizes.
Mais sete anos saudáveis.
Na América.

E.C.

terça-feira, 18 de abril de 2017

Busca no Espelho



Encontros no Espelho

Mucha (Abril 2017)

Caminhos de vida,
Vida de caminhos.
Buscando a vida,
Vida buscando a alma.

Difícil entender tanta busca,
Surpresas a cada esquina.
Vai, menina, vai andando,
Continua sem parar.

Sei que você não entende —
é difícil mesmo de explicar.
Nem ela sabe aonde
tudo isso vai dar.

Queria tanto que você soubesse o quanto já andei,
quantas vezes tropecei e caí,
me levantei e prossegui.
Queria te contar o que vi e aprendi,
como me machuquei,
como me quebrei em mil pedaços,
que maravilhas de mundo, de cor, de emoções...
Um mundo só meu.
Minha busca. Minhas conquistas.

Fico pensando em como seria
se tivéssemos tempo para sentar e conversar,
ouvir sobre sua vida, seus percalços,
escutar sua voz,
seu riso descontraído outra vez,
seu sotaque forte e doce...

Não quero que as cortinas se fechem
sem termos tido tempo
de abrir o coração,
contar histórias,
olhar nos olhos
e eu te fazer cafuné outra vez.

Olhar no espelho,
ver a sua imagem —
menino sempre,
sempre meu menino.

O tempo passa...
Tantas coisas pra contar,
tão pouco tempo pra me dar...
Palavras engasgadas,
lágrimas represadas.

Será fuga? Será amor? Será ódio?
Tenho ternura.
Ternura pelo meu menino distante —
aquele mesmo menino que mora dentro de você
e frequenta meu espelho,
me acompanha.

Sou a sombra.
Quero ser a luz.
Quero ter respostas.
Quero te encher de certezas.
Quero te assegurar — novamente e finalmente —
do meu grande amor
que sempre foi tão explícito
que chegou a doer e incomodar.

Acho que foi tão grande...
que cegou.

 E. C.