domingo, 16 de julho de 2023

Meu Israel



Meu Israel
Aqui estamos.
Aqui ficamos.

Nem todos nós nascemos aqui, mas é aqui que vivemos — e onde morreremos.

Vivemos uma vida jamais sonhada, uma vida cheia de família, de pátria e de incontáveis bênçãos.

Aqui, podemos ser.
Aqui, somos.

Plantamos nossas árvores, colhemos nossos frutos, criamos nossos filhos, desbravamos o futuro.

Acreditamos em D'us, o Único e Eterno.
Ele nos guia e protege.

A terra sorri ao toque de nossas mãos.
Abençoa nosso suor, nos dando o melhor que existe: o fruto mais doce, as flores mais lindas.

As rosas exalam perfume.
A chuva lava a alma e enche o Kineret.

O céu, de um azul sem igual, alegra os pássaros que nos despertam cedo pela manhã.

Aqui estamos.
Aqui amamos.

Pessoas que se amam sem sequer se conhecerem, sem falarem a mesma língua.
Sorriso fácil de felicidade por viver aqui e ter a certeza de estar em casa.

Acordar sentindo a força que vem de pisar no solo da pátria, e o orgulho de pertencer a essa grande Família.

Como não ser feliz?

Aqui estamos.
Aqui construímos.
Aqui plantamos.
Aqui colhemos.
Aqui criamos.

Obrigado, HaShem!

— E.C.

sábado, 24 de junho de 2023

Memorias na Madrugada


🌙 Ontem à Noite

Por Esther Crouch

Ontem à noite estava quente, bastante quente — mas (ainda bem!) não o suficiente para ligar o ar-condicionado.
Moshe foi se deitar na horinha certa dele e eu, a notívaga incurável, me vi encantada com a calma da noite.
Sendo Shabat, havia um silêncio abençoado no ar. O céu, claro, com estrelas brilhando, e o perfume dos jasmins entrando pela janela da minha salinha de estar — onde passo horas em conluio comigo mesma, todos os dias, e avanço muitas noites.

Meus olhos se perdem nas montanhas, onde as luzes do kfar cintilam como diamantes de vários tamanhos.
Nessa quietude — uma solidão bem-vinda — meus pensamentos voam.
Viajo longe no tempo. Faço visitas à menina que fui, ando pela casa onde nasci, balanço-me novamente no velho balanço que meu pai fez para mim no quintal. Acaricio mentalmente meus primeiros bichinhos, que me ensinaram o amor e povoaram de ternura minha infância.

E assim voei, ontem à noite... longe.

Entre tantas lembranças, sentimentos se mesclavam — saudade, ternura, alegria, tristeza — memórias com sabor doce das surpresas vividas um dia.
Engraçado como os bons momentos ressurgem: risadas sem propósito, letras de músicas que me encantaram na infância e juventude...
Como por magia, tudo vai desfilando, se sobrepondo.

Até mesmo o cheiro do meu primeiro batom (um tom rosa-alaranjado) reapareceu...
E o perfume Cabochard, da Grès — aquele com a fitinha de veludo cinza, amarrada em lacinho.

Ah, sim! Meus heróis também rondaram minha noite, e pude cumprimentá-los mais uma vez.

Sentei-me outra vez com Vinicius de Moraes naquela mesa de um restaurante português (cujo nome me escapou...) perto da Avenida da Consolação, lá embaixo, quase no centro de São Paulo.
Lembro do gosto do vinho verde, da voz rouca do Poetinha, do tilintar do gelinho no seu whisky.
Ele ia falando e rindo, sempre mexendo o copo.

Inesquecível também foi quando troquei duas palavras com o grande Guilherme de Almeida, em seu pequeno escritório no centro da cidade — ele morreria, acho, um ano ou dois depois.

Visitei o Aldemir Martins, com aquele jeitão só dele — simples, calmo — e com direito a uma taça de champagne no ateliê do grande pintor!
Vieram também à lembrança figuras impressionantes como Caciporé Torres e Lizetta Levi, minha amada professora de História da Arte.

Roberto Campos, com sua inteligência aliada ao bom humor — coisa rara!
Mente rápida, certeira, um gênio de verdade. Conheci-o, com surpresa e prazer, num coquetel a bordo de um iate em Angra dos Reis.

E Aznavour! Tive o privilégio de vê-lo cantar minhas músicas prediletas num bar mitzvah em São Paulo. “Désormais”... lindo demais!

E o Dener Pamplona, com sua belíssima Maria Stella Splendore. Depois de muita música no Tom-Tom, fim de noite no Cave...

Ah... que gente incrível passou pela minha vida!

Estava em Nova York quando o grande Rav Meir Kahane Z"L foi assassinado, logo após dar uma palestra para os ortodoxos.
Esse sempre foi — e é — um dos meus grandes heróis.

Tive também o privilégio de receber das mãos do Rebe de Lubavitch Z"L o famoso dólar.

Meus heróis já morreram.
Hoje, não reconheço heróis na mediocridade que nos assola.
Triste geração, essa, sem verdadeiros heróis...

Mas... os livros!
Ah, os livros que ficaram — eles pululam na minha memória.
Consigo vivê-los em pensamento: viajo por séculos, enfrento tempestades, percorro mundos, brinco de faz-de-conta na era medieval.
Sou romântica em Montmartre, voo até a Praga de Kafka, sofro com Oscar Wilde em De Profundis...
Tenho ainda hoje muitas companhias interessantes.

Que sortuda eu sou! Que privilegiada fui ao nascer.
Não apenas passei pela vida — VIVI a vida.
E vivo.
Tenho muito a agradecer.

Sou rica por ter pertencido a uma geração que teve heróis de verdade.
Por ter consolidado valores profundos.
E por ter a bênção de ver meus filhos e netos crescerem preservando esses mesmos valores.

Da minha janela em Karmi’el, no norte de Israel, com vista para as montanhas da Galileia...

— Esther Crouch

terça-feira, 16 de maio de 2023

Perdas e Danos

Perdas e Danos

Perdas e Danos



Esther Crouch

Mulher de muitos anéis, algumas paixões, duas alianças, um único amor.
Inventa, reinventa, brinca.

Jeito de menina, riso fácil, temperamento de fera.
Rugido de bicho acuado. Alerta. Cuidado.

Lágrimas de sangue que se transformam em diamantes.
Cabelos ao vento, mulher sem vintém,
três cidadanias e tantos documentos.

Fala com os olhos, responde com as mãos e braços.
Os animais são família.

Sofre abandono. Levanta o queixo:
— Ah é??!!!
[kkkll] sai rindo, uiva pra lua,
tira os sapatos e corre pra grama.

Coisas de mim…
ou a realidade do exílio de mim mesma?

Não. Não tenho pressa, não tenho hora.
O tempo não importa — ele sobra.

Não pertenço mais à grande cidade.
Não mantenho mais meu lugar na sociedade que me criou
e me deu essa personalidade,
que forjou o drama que tão estoicamente sigo vivendo.

Esse drama é uma história de vida escrita por alguém
que morreu inúmeras vezes sufocada em lágrimas
e que, só escrevendo, retorna à vida.

Personagem mal acabada de um livro confuso.
Medrosa criatura, sempre no limiar da loucura,
tentando cuidar e proteger as duas joias
que lhe foram confiadas num imenso assomo de bondade de D’s.

É. É triste, embora natural.
Acho que... naturalmente triste.

Os amigos começaram a partir já há algum tempo.
Partidas sem tempo de adeuses...

Personagens que frequentaram minha história de vida,
dando voz ao drama, colocando, vez por outra,
uma fala mais suave.

Outros, como caricaturas feitas às pressas,
deixaram um sorriso aqui, uma lágrima acolá.

Quantos rostos queridos
não tive a nobre emoção de vê-los envelhecer junto a mim...
Não me foi dado acompanhar de perto
as mudanças que o tempo faz.

Fecho os olhos —
esses rostos chegam, para sempre jovens em minha memória.

Ouço suas vozes,
o sotaque carregado que sempre levaram
na bagagem de um país para o outro.
Sinto o perfume de cada um...

Algumas cenas dançam e somem.
Outras teimam em permanecer —
ou em voltar, outra e outra vez.

A bailarina teima em ser graciosa, lá no alto,
andando no fio de arame.

Lá de cima, ela sabe:
o furinho na meia rendada é imperceptível.

Continua segurando seu guarda-chuvinha
como pretexto para algum equilíbrio...

Segue, sem olhar para baixo,
ou muito menos para trás.

Ela sabe que só pode olhar para frente — e sorrir.

Sorrindo, ela vai brincando com a vida
até o ato final,
quando, por fim, as cortinas vão se fechar.

E ela sabe que, assim como os amigos
que partiram sem tempo de adeuses,
ela também partirá…
sem a chance de, pelo menos, dizer:
Adeus.

Esther Crouch

Mulher de muitos anéis, algumas paixões, duas alianças, um único amor.
Inventa, reinventa, brinca.

Jeito de menina, riso fácil, temperamento de fera.
Rugido de bicho acuado. Alerta. Cuidado.

Lágrimas de sangue que se transformam em diamantes.
Cabelos ao vento, mulher sem vintém,
três cidadanias e tantos documentos.

Fala com os olhos, responde com as mãos e braços.
Os animais são família.

Sofre abandono. Levanta o queixo:
— Ah é??!!!
[kkkll] sai rindo, uiva pra lua,
tira os sapatos e corre pra grama.

Coisas de mim…
ou a realidade do exílio de mim mesma?

Não. Não tenho pressa, não tenho hora.
O tempo não importa — ele sobra.

Não pertenço mais à grande cidade.
Não mantenho mais meu lugar na sociedade que me criou
e me deu essa personalidade,
que forjou o drama que tão estoicamente sigo vivendo.

Esse drama é uma história de vida escrita por alguém
que morreu inúmeras vezes sufocada em lágrimas
e que, só escrevendo, retorna à vida.

Personagem mal acabada de um livro confuso.
Medrosa criatura, sempre no limiar da loucura,
tentando cuidar e proteger as duas joias
que lhe foram confiadas num imenso assomo de bondade de D’s.

É. É triste, embora natural.
Acho que... naturalmente triste.

Os amigos começaram a partir já há algum tempo.
Partidas sem tempo de adeuses...

Personagens que frequentaram minha história de vida,
dando voz ao drama, colocando, vez por outra,
uma fala mais suave.

Outros, como caricaturas feitas às pressas,
deixaram um sorriso aqui, uma lágrima acolá.

Quantos rostos queridos
não tive a nobre emoção de vê-los envelhecer junto a mim...
Não me foi dado acompanhar de perto
as mudanças que o tempo faz.

Fecho os olhos —
esses rostos chegam, para sempre jovens em minha memória.

Ouço suas vozes,
o sotaque carregado que sempre levaram
na bagagem de um país para o outro.
Sinto o perfume de cada um...

Algumas cenas dançam e somem.
Outras teimam em permanecer —
ou em voltar, outra e outra vez.

A bailarina teima em ser graciosa, lá no alto,
andando no fio de arame.

Lá de cima, ela sabe:
o furinho na meia rendada é imperceptível.

Continua segurando seu guarda-chuvinha
como pretexto para algum equilíbrio...

Segue, sem olhar para baixo,
ou muito menos para trás.

Ela sabe que só pode olhar para frente — e sorrir.

Sorrindo, ela vai brincando com a vida
até o ato final,
quando, por fim, as cortinas vão se fechar.

E ela sabe que, assim como os amigos
que partiram sem tempo de adeuses,
ela também partirá…
sem a chance de, pelo menos, dizer:
Adeus.


E.C.

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Vivendo com Voce





Linhas Paralelas

Meus olhos estão turvos, nublados —
mas sei que você está perto.
Sinto sua presença.
Seu perfume, seu olhar,
a textura da sua pele em meus dedos.

Escuto sua voz,
esse sotaque maluco,
mistura de francês, hebraico, português e árabe...

E adormeço em seus braços, outra vez.
Seu riso faz música!

Não, eu não choro mais de saudades.
Sei que somos linhas paralelas,
que caminham juntas,
sem nunca se encontrar.

Aprendi a brincar de "faz de conta":
você está presente hoje, aqui, agora.

Quarenta e oito anos atrás fizemos um pacto —
e estamos fiéis a ele.
Pergunto, e você responde.

Não choro mais, querido.
Sou uma boa menina que, como você sempre diz,
fica linda sorrindo!

Acredito. E sigo meu caminho.

Alguns dizem que aprendi a conviver com a dor…
Outros, que enlouqueci.
Outros ainda, que te esqueci.

Passo sorrindo pela vida,
vendo com seus olhos,
amando com teu coração,
pensando com seu cérebro,
sentindo seu perfume.

E assim construí a minha vida —
com você presente.

Estranho destino o nosso:
linhas paralelas que seguem juntas
sem nunca se encontrar.

A tirania do Edito nos separou.
A tirania do Edito nos uniu… eternamente.


E.C. (Mucha)