terça-feira, 16 de maio de 2023

Perdas e Danos

Perdas e Danos

Perdas e Danos



Esther Crouch

Mulher de muitos anéis, algumas paixões, duas alianças, um único amor.
Inventa, reinventa, brinca.

Jeito de menina, riso fácil, temperamento de fera.
Rugido de bicho acuado. Alerta. Cuidado.

Lágrimas de sangue que se transformam em diamantes.
Cabelos ao vento, mulher sem vintém,
três cidadanias e tantos documentos.

Fala com os olhos, responde com as mãos e braços.
Os animais são família.

Sofre abandono. Levanta o queixo:
— Ah é??!!!
[kkkll] sai rindo, uiva pra lua,
tira os sapatos e corre pra grama.

Coisas de mim…
ou a realidade do exílio de mim mesma?

Não. Não tenho pressa, não tenho hora.
O tempo não importa — ele sobra.

Não pertenço mais à grande cidade.
Não mantenho mais meu lugar na sociedade que me criou
e me deu essa personalidade,
que forjou o drama que tão estoicamente sigo vivendo.

Esse drama é uma história de vida escrita por alguém
que morreu inúmeras vezes sufocada em lágrimas
e que, só escrevendo, retorna à vida.

Personagem mal acabada de um livro confuso.
Medrosa criatura, sempre no limiar da loucura,
tentando cuidar e proteger as duas joias
que lhe foram confiadas num imenso assomo de bondade de D’s.

É. É triste, embora natural.
Acho que... naturalmente triste.

Os amigos começaram a partir já há algum tempo.
Partidas sem tempo de adeuses...

Personagens que frequentaram minha história de vida,
dando voz ao drama, colocando, vez por outra,
uma fala mais suave.

Outros, como caricaturas feitas às pressas,
deixaram um sorriso aqui, uma lágrima acolá.

Quantos rostos queridos
não tive a nobre emoção de vê-los envelhecer junto a mim...
Não me foi dado acompanhar de perto
as mudanças que o tempo faz.

Fecho os olhos —
esses rostos chegam, para sempre jovens em minha memória.

Ouço suas vozes,
o sotaque carregado que sempre levaram
na bagagem de um país para o outro.
Sinto o perfume de cada um...

Algumas cenas dançam e somem.
Outras teimam em permanecer —
ou em voltar, outra e outra vez.

A bailarina teima em ser graciosa, lá no alto,
andando no fio de arame.

Lá de cima, ela sabe:
o furinho na meia rendada é imperceptível.

Continua segurando seu guarda-chuvinha
como pretexto para algum equilíbrio...

Segue, sem olhar para baixo,
ou muito menos para trás.

Ela sabe que só pode olhar para frente — e sorrir.

Sorrindo, ela vai brincando com a vida
até o ato final,
quando, por fim, as cortinas vão se fechar.

E ela sabe que, assim como os amigos
que partiram sem tempo de adeuses,
ela também partirá…
sem a chance de, pelo menos, dizer:
Adeus.

Esther Crouch

Mulher de muitos anéis, algumas paixões, duas alianças, um único amor.
Inventa, reinventa, brinca.

Jeito de menina, riso fácil, temperamento de fera.
Rugido de bicho acuado. Alerta. Cuidado.

Lágrimas de sangue que se transformam em diamantes.
Cabelos ao vento, mulher sem vintém,
três cidadanias e tantos documentos.

Fala com os olhos, responde com as mãos e braços.
Os animais são família.

Sofre abandono. Levanta o queixo:
— Ah é??!!!
[kkkll] sai rindo, uiva pra lua,
tira os sapatos e corre pra grama.

Coisas de mim…
ou a realidade do exílio de mim mesma?

Não. Não tenho pressa, não tenho hora.
O tempo não importa — ele sobra.

Não pertenço mais à grande cidade.
Não mantenho mais meu lugar na sociedade que me criou
e me deu essa personalidade,
que forjou o drama que tão estoicamente sigo vivendo.

Esse drama é uma história de vida escrita por alguém
que morreu inúmeras vezes sufocada em lágrimas
e que, só escrevendo, retorna à vida.

Personagem mal acabada de um livro confuso.
Medrosa criatura, sempre no limiar da loucura,
tentando cuidar e proteger as duas joias
que lhe foram confiadas num imenso assomo de bondade de D’s.

É. É triste, embora natural.
Acho que... naturalmente triste.

Os amigos começaram a partir já há algum tempo.
Partidas sem tempo de adeuses...

Personagens que frequentaram minha história de vida,
dando voz ao drama, colocando, vez por outra,
uma fala mais suave.

Outros, como caricaturas feitas às pressas,
deixaram um sorriso aqui, uma lágrima acolá.

Quantos rostos queridos
não tive a nobre emoção de vê-los envelhecer junto a mim...
Não me foi dado acompanhar de perto
as mudanças que o tempo faz.

Fecho os olhos —
esses rostos chegam, para sempre jovens em minha memória.

Ouço suas vozes,
o sotaque carregado que sempre levaram
na bagagem de um país para o outro.
Sinto o perfume de cada um...

Algumas cenas dançam e somem.
Outras teimam em permanecer —
ou em voltar, outra e outra vez.

A bailarina teima em ser graciosa, lá no alto,
andando no fio de arame.

Lá de cima, ela sabe:
o furinho na meia rendada é imperceptível.

Continua segurando seu guarda-chuvinha
como pretexto para algum equilíbrio...

Segue, sem olhar para baixo,
ou muito menos para trás.

Ela sabe que só pode olhar para frente — e sorrir.

Sorrindo, ela vai brincando com a vida
até o ato final,
quando, por fim, as cortinas vão se fechar.

E ela sabe que, assim como os amigos
que partiram sem tempo de adeuses,
ela também partirá…
sem a chance de, pelo menos, dizer:
Adeus.


E.C.

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